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Comentarios de uma brasileira argentina
júlia pontés
Jul 6, 2020
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Há muitos anos um jovem brasileiro recém mudado à Argentina, estava em sala de aula quando a professora pediu exemplos de ilhas com administração autônoma. Vários exemplos surgem e o brasileiro, notando a ausência de uma delas diz: “Falkland Islands”. Todos os alunos olham atônitos para o jovem que não entende o que está acontecendo. A professora então diz: “Como pode ser que o Brasil, nosso país irmão, ensine aos seus alunos as Malvinas como sendo Falkland?” “Como pode ser os mapas no Brasil digam Falkland e não Malvinas?”
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Como já disse Robespierre em 1840, a história é contada pelos vencedores. No caso da maioria das colônias as narrativas estão tão fortemente inseridas em nossa sociedade que as tomamos como verdadeiras. Exemplo disso é a nossa realidade política polarizada e cega.
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Morei 11 anos na Argentina -foi um lugar que me fez ser quem eu sou hoje, que em grande parte me moldou como ser humano. Hoje, ao abrir minha caixa de entrada, deparei com um email com esse título “Como a prosperidade transformou as ilhas Falklands” vindo de uma publicação que eu “respeito”, a @newyorker. Minha primeira reação foi supresa, susto e indignação e essa reação só piorou a medida que lia o artigo, que agora me gera, uma incontrolável raiva.
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Primeiro, porque desconsidera os complexos processos coloniais que envolveram o envio de agentes dos Reinos/Impérios para impor regras, estabelecer modos de convivência, suas modalidades de estrutura e classes sociais e, inclusive, certificar que tradições como “Deus Salve a Rainha” faça parte da cultura por tantas gerações que é entendida como uma escolha natural e não historicamente imposta.
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Faz a triste analogia que as Falklands poderiam ter sido um pedaço da Escócia que se deslocou do território e navegando em direção sul, passando Marrocos, Senegal e Brasil para estacionar ao norte da Antártica. Desconsiderando completamente a geografia do Sul da Argentina e do Chile, transparece a idéia de acaso geológico. Como se tratasse de uma mera “fatalidade” que a ilha, tão britânica, esteja longe de sua alma mater.
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Menciona sem criticar a posição colonial como a da “Casa dos Lordes” enviar Lorde Shackleton para o país em 1975 e esse fizesse recomendações como as de comprar terras dos britânicos ausentes e “revender’ em menores tamanhos para revender aos moradores locais sem levar em consideração as condições da natureza e viabilidade mínima para sustento das famílias.
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Não há críticas ao dizer que a Inglaterra já havia recolhido mais impostos das “Falkland” do que a ilha já custou à ela, e mesmo assim, mostra que já antes da guerra “o clima em todas as ilhas era sombrio. Tornou-se óbvio para seus habitantes, que a Grã-Bretanha os considerava um problema.”
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E que, apesar mencionar a intenção prévia fosse de entregar a ilha à Argentina, não fala do papel, e as verdadeiras intenções, de Thatcher. Essa guerra não aconteceu por patriotismo, mas sim em busca de popularidade para a mandatária e seu modelo econômico (que até hoje causa grandes estragos pelo mundo). Inclusive a Casa dos Lordes votou contra eles serem considerados cidadões britânicos em 1981.
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O artigo retrata as regiões do pós-guerra, previamente ocupadas pelos argentinos, como lugares sujos por pixações, roubados, devastados e cheios de minas anti personais deixando clara uma espécie de culpa única atribuída à eles. Fala de uma população traumatizada com a violência da invasão e o pesar de seus moradores pela morte dos 250 soldados britânicos que faleceram para defender 1800 moradores da lha.
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Não nego os horrores e crueldades de todo e qualquer conflito bélico. Não está em questão as responsabilidade e interesses individuais que Argentina teve, e ainda tem; suas motivações políticas e econômicas; e que a guerra se deu durante o período ditatorial argentino que foi tão grave quanto os que se deram por vários países da América do Sul patrocinado pelos Estados Unidos, como a operação Condor. Mas, colocar os argentinos como únicos algozes é realmente aderir à uma narrativa única. Morreram 650 argentinos. E além disso as Malvinas também fazem parte de uma construção cultural e social argentina que precisa ser entendida. Pergunto: em suas colônias, quais foram os métodos de ocupação britânica, sempre foram amigáveis e respeitosos?
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O artigo reflete o desdém das tropas britânicas à população local, mas em seguida começa uma sequência de boas ações britânicas como dar cidadania aos moradores ilha, dar dinheiro e financiamento e liberar direitos de pesca e exploração de petróleo que permitiram até que construíssem sua primeira piscina! Segundo o artigo, como não estavam acostumados à tantos recursos começaram a gastar mal e sem limites.
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A mensagem subliminar: o Reino Unido, grande branco salvador desse arquipélago, fez com que hoje as “Falkland” estejam entre os lugares com maior renda per capita do mundo, comparada à Noruega.
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Positivamente, o artigo posteriormente mostra vários problemas sociais apareceram, ou vieram à luz, mostrar que os moradores procuram sua identidade como povo e sua incapacidade de conquistar a independência. Mas, ao falar dos impactos da pandemia em sua economia fortemente baseada na exploração primária, como também resquício de um modelo econômico colonial que encontra exemplos no mundo todo.
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Convido o New Yorker a pensar que as verdades sempre serão subjetivas e que a multiplicidade de vozes é essencial para montar um quebra cabeça chamado realidades múltiplas. Nesse caso, minimamente dar voz aos argentinos para que contem sua versão da história e dos fatos.
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Por último, sugiro pesquisa ao poético trabalho da fotógrafa Adriana Groisman "Voces de la tempestad”/“Voices of the South Atlantic”
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Pido permiso a los argentinos por publicar eso en portugués, pero es importante que se sepa de las Malvinas en Brasil.
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La argentina en mi saluda al argentine que habita en ti.
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